As imagens nauseantes do cinema de Aleksandr Sokurov: O SEGUNDO CÍRCULO (1990).

By rodrigo araujo - setembro 07, 2012

        Uma velha casa, poucos móveis, uma cama velha, um morto sobre a cama, o filho a velá-lo, neve, frio, imagens em tons de sépia. Assim é o filme O Segundo Círculo (1990), do cineasta russo Aleksandr Sokurov, um dos seus filmes mais angustiantes. Neste filme há uma quase total ausência se trilha sonora (apenas uma sinfonia nos últimos minutos). 92 minutos de imagens nauseantes, tão geladas quanto o inverno russo. E mais: quase toda a narrativa passa-se dentro de casa (pouquíssimas cenas têm locação externa). A narrativa filma um moribundo e o filho tentando enterrá-lo. 92 minutos sobre um velório. Aparentemente o roteiro parece simples, mas não para a câmera sokuroviana que chega a causar certa claustrofobia.
       As imagens em O Segundo Círculo abrem um abismo em nós, nos jogam numa angústia sem fundo, imagens agônicas, imagens delirantes. Dilaceram-nos. Imagens oníricas, imagens que falam, e aí justifica-se a ausência de trilha sonora e de diálogos. Aqui, tudo é pura cosmicidade. E por onirismo e cosmicidade indispensável lembrar das concepções de onírico do filósofo francês Gaston Bachelard, em A POÉTICA DO ESPAÇO (2008), através da metáfora do sótão, do porão, do nosso sótão subjetivo.
      Sokurov, nesta obra, centraliza a morte. Esta, que atesta nossa finitude, que flerta com a vida, que brinca com o homem com um personagem bergmaniano. Filmar um velório de um pai pelo filho é, para Sokurov, mais que filmar a dor da perda, é filmar o vazio, o nada. E para isso Sokurov toca nas camadas do instante da morte, nos seus silêncios, nos seus brancos. Sem dúvida, esta é a obra de Sokurov onde a morte parece, de tal modo, deitar-se nas camadas da vida - lembrando uma tão forte mescla vida/morte feita pelo filósofo romeno Emil Cioran - centralizando-se na narrativa. O filme de imagens mais agonizantes, atenuada pela secura da falta de trilha sonora, deste cineasta que - não só nesta obra, mas em algumas outras - que muito lembra um outro cineasta russo que magistralmente põe as imagens a delirar: Andrei Tarkovski (embora o próprio Sokurov negue a influência de Tarkovski em seu cinema, isso não quer dizer nada, visto que as leituras de uma obra artística podem ser múltiplas). Dois cineastas que jogam no terreno do poético, que deformam a linearidade, que nos jogam em labirintos sem fios de Dédalo para encontrar a saída. E o resultado deste louco movimento: êxtase da imagem.








§

Rodrigo Araujo.

  • Share:

You Might Also Like

1 comentários