Conceitos de Literatura: uma introdução

By rodrigo araujo - junho 06, 2010

       
      
             Quando pensamos na atualidade sobre o mundo real, alguns pontos podem ser elencados nesse pensamento, tais como insatisfação, guerras, violência etc. Todos concordamos que a realidade gritante a qual estamos inseridos é, de certa forma, insatisfatória. Quantas vezes já não fechamos a porta do quarto para esquecer o mundo lá fora, quantas vezes já não sentimos certa inconformidade do mundo e seus problemas e, a partir disso, quantas vezes já não descontamos essa inconformidade no papel?
            Nada melhor que um espaço para discutir tais pensamentos (e discutiremos literatura a partir das conjecturas dos teóricos literários). É, pois, a partir desse descontentamento do homem com a realidade que o faz procurar uma válvula de escape, uma fuga. Aqui, indico o filme do Woody Allen “A Rosa Púrpura do Cairo”, de 1985, onde é narrado o drama da personagem Cecília que, durante a depressão nos EUA, além de sustentar o marido bêbado que a maltrata e um bairro pobre, utiliza o cinema como fuga da realidade, assistindo por várias vezes o mesmo onde, até o ponto de ela mesma misturar o real com a ficção. O filme, além de ser metalingüístico, permite-nos concluir que a literatura é fuga da realidade, conhecimento. Ela nasce como uma falta no mundo. Outra indicação é a obra realista francesa de Flaubert, Madame Bovary, 1857, onde a personagem foge do real por meio de suas leituras, até o momento em que esta influencia sua vida.
            Podemos nos valer das definições de Antonio Candido (ver A literatura e a formação do homem, 1972): “A literatura é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem”. Literatura, portanto, por meio da linguagem, ou de acordo com o pensamento do semiologista Roland Barthes acerca da linguagem como expressão de poder social – onde nos encontramos submissos às estruturas lingüísticas (ver R. Bathes, Aula, 1978). Discussões sobre a literatura e a linguagem também alçadas na corrente do formalismo russo – os estudos lingüísticos aplicados à literatura, ou seja, a linguagem literária tem efeito de estranhamento, alienação da língua falada. Literatura é linguagem trabalhada, linguagem carregada de significado (ver Ezra Pound, Abc da Literatura, 1995, 7ªed.). Discorre também o teórico Terry Eagleton acerca da literatura como desvio da norma, pelo viés do não-pragmatismo, isto é, da não finalidade/objetividade. Literatura é subjetiva (ver Terry Eagleton, Teoria da Literatura: Uma introdução, 2001). Conclui-se, portanto, que não se produz linguagem sem pensamento. (para essa questão da linguagem e do pensamento, ver Santaella, Matrizes da Linguagem e Pensamento, 2001).
            Continuemos no rol de conjecturas sobre a função da literatura a partir do pensamento dos teóricos da literatura. Comecemos com uma frase do escritor Monteiro Lobato, 1974: No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério... arranjei este derivativo de literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras. Um pintar belo e ficcional. Ficcional, pois é mimese da realidade (recriação). Acerca desse pensamento, destacamos as discussões clássicas sobre Platão e Aristóteles. Platão com seus três graus da verdade (o real intocável, o artesão que copia o real, e o poeta que faz o simulacro: cópia da cópia). Platão via a literatura como prejudicial, belicosa e aí temos as discussões de senso comum x senso crítico. A literatura desperta o senso critico no homem (e hoje não observamos isso? Quantos e quantos governantes têm medo do senso crítico nas pessoas!). Sobre senso comum x senso crítico na literatura, pode-se ver também em Antoine Compagnon, O Demônio da Teoria: Literatura e Senso Comum, 1999. Já Aristóteles via a literatura não como os três degraus de Platão. O poeta, a arte em si, imita a realidade por objetos diferentes; meios e maneiras diferentes. (ver A Poética Clássica, 1997).
            E se literatura é arte e pinta com palavras, logo ela possui o belo, acontece dentro de nós. O belo é a verdade, dizia Platão. E questiona Olavo Bilac sobre a verdade. A verdade é um sonho (ver Hênio Tavares, Teoria Literária, 2002). Sobre discussão de estética, ver proposições de Jhon Ruskin sobre a arte como educação à população de valores maiores, ou Kant que se afasta do modelo clássico. Cito agora uma frase do Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Bernardo Soares, comentando seu poema Autopsicografia (que por sinal este poema resume o fazer literário!): “A arte consiste em fazer os outros sentirem o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos”. Outra frase do Pessoa diz: “A literatura, como toda arte, é uma confissão de que a vida não basta”. Leyla Perrone Moisés (em Flores da Escrivaninha, 1998, capitulo 8) define “A literatura aponta sempre para o que falta, no mundo e em nós. [...] O horizonte da literatura é sempre o real que se pretende representar em sua dolorosa condição de falta”. E a dor? Essa dor que o poeta (e até nós mesmos) tem? O poeta curitibano Paulo Leminski exprime essa dor perfeitamente em seu poema: “Um homem com uma dor é muito mais elegante/caminha assim de lado como se chegasse atrasado”. Dor, inquietação e inconformidade.
            A literatura é o homem convertido numa obra (ver Alceu Amoroso Lima. Introdução à Literatura Brasileira, 1956). Encerro essa reunião dos grandes teóricos acerca da literatura como arte com o fantástico ensinamento de Drummond, para você leitor refletir. Que a Literatura se faça viva em todos nós!

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
..................................................................................................................
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, 
rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
.......................................................................................................

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
...............................................................................................................
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
[...]
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
[...]

1969



ARAUJO, RODRIGO M. S.

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3 comentários

  1. Gosto particularmente da utilização do poema leminskiano numa canção do Itamar Assumpção (com Zélia Duncan no embalo) e a citação/recomendação do filme do Woody Allen foi deveras pertinente...

    Como chorei ao lado da Cecília...
    Como!

    WPC>

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  2. Verdade, meu caro!
    E enquanto eu digitava e pensava na literatura como instrumento ideológico - assim como o discurso também o é - lembrei-me do filme que vi ontem "Mother" do sul-coreano Joon-ho, onde essa ideia do discurso ideológico como ferramenta de convencimento também está fortemente presente. Deixo esse filme também como indicação.

    Ah, Cecília...

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  3. Espetacular.
    "E se literatura é arte e pinta com palavras, logo ela possui o belo, acontece dentro de nós" - e, a "Arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente" (Fischer. Ernst, in: A Necessidade da Arte).
    Como é magistral encontrarmos textos na Net que nos levam a reflexão. Magnífico o blog. Parabéns.
    Luiz de Almeida & blog Retalhos do Modernismo

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