Fim de século: perspectivas para as vanguardas e a modernidade.

By rodrigo araujo - julho 13, 2010

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            O final do século XIX foi decisivo para o nascimento da boemia literária, dos vários “ismos” que surgem, dos movimentos vanguardistas, dos manifestos, enfim, do que a história da literatura chama de estética renovadora. Para compreender, por exemplo, o itinerário da literatura modernista brasileira e sua proposta, faz-se indispensável um percurso e conhecimento que aqui será feito (por mais sintético e metodológico que seja) dos ideais vanguardistas que efervesciam a Europa. O primeiro momento do modernismo brasileiro vem trazer essas tendências européias (onde Oswald de Andrade bem ilustra o espírito modernista importado da Europa em seu manifesto antropofágico), observando os quadros-revelação de Anita Malfatti, por exemplo. Mario de Andrade chama atenção para um espírito revolucionário de guerra produzidos em nós pelo momento europeu de vanguarda em seu “movimento modernista” - ANDRADE, 1978, p.231). Esse texto do Mário além de outros serão mais bem explanados em outros ensaios que serão aqui postados.
            Na Europa, especificamente na França, as boemias literárias trazem escritores e poetas, bem como inquietações oriundas das transformações do final do século – todo fim de século, pois, traz mudanças de ordem filosófica. Surge a chamada “Belle Époque” francesa que, num rol de tendências, traz consigo marcas do simbolismo e do decadentismo – como também o naturalismo se revela nessas tendências. O que se observa é que essas tendências – a Belle Époque, o simbolismo, o decadentismo – irão contribuir fortemente para o surgimento das vanguardas bem como o entendimento da modernidade. Para compreender esse momento, passaremos, inicialmente, pela leitura do poeta Baudelaire das fleurs du mal. Através de dois de seus poemas poderá se observar a marca desse momento literário e do reflexo da mudança de século.
            De acordo com a leitura dos teóricos acerca da obra Fleurs du mal, nota-se o primeiro passo para o discurso da modernidade em Baudelaire. (Para se fazer entender os conceitos e argumentos do discurso da modernidade, podemos nos valer de dois teóricos: Primeiro, da visão de Habermas sobre a ciência na modernidade e no racionalismo – ver O discurso filosófico da modernidade, 2000. Segundo, o paradigma da racionalidade em Max Weber, à luz da sociologia, tanto da racionalidade social como cultural). A desromantização do Romantismo e o corrompimento da natureza que Baudelaire assina podem também ser bem observados nas proposições fundamentais de Luis Costa Lima (ver Teoria da Literatura em suas fontes, volume 2, p.895. 2002). Outro ponto de articulação importante em Baudelaire é a sua visão para o belo, para a arte e suas dualidades, assinalando a fotografia (quando a técnica fotográfica surge pondo em xeque o campo da arte – ver essa discussão entre fotografia e arte na perspectiva de Baudelaire em Philippe Dubois, O Ato Fotográfico, p.29, 1993) como uma invenção do diabo, pondo em risco a pintura, atestando a morte da arte.
            Partiremos para os dois poemas de Baudelaire para compreender o espírito da Belle Époque e dos ideais simbolistas e vanguardistas do poeta para abrir o discurso da modernidade: "Sonho Parisiense" e "Correspondências":

SONHO PARISIENSE
Rêve Parisien

E desta terrível paisagem,
E que jamais mortal olhou,
Esta manhã ainda a imagem
Vaga e longe, me arrebatou.
O sono é de milagres pleno!
Por um capricho singular,
Tinha eu banido do terreno
O vegetal irregular.
...........................................
Nem astro havia e nem vestígios
Do sol, certo nenhum fanal,
Para clarear estes pródigos
Brilhando de um fogo pessoal!
Ó maravilha dos sentidos!
Planava sobre a novidade
(Tudo ao olhar, nada aos ouvidos!)
Um silêncio de eternidade.
...........................................
A pêndula - ferais acentos -
Batia atroz o meio dia,
E o céu era treva e lamentos
E o universo se entorpecia.

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CORRESPONDÊNCIAS
Correspondances

A natureza é um templo em que vivas pilastras
deixam sair às vezes obscuras palavras;
o homem a percorre através de florestas de símbolos
que o observam com olhares familiares.

Como longos ecos que de longe se confundem
numa tenebrosa e profunda unidade,
vasta como a noite e como a claridade,
os perfumes, as cores e os sons se correspondem.

Há perfumes saudáveis como carnes de crianças,
doces como os oboés, verdes como as campinas,
e outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

tendo a efusão das coisas infinitas,
como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,
que cantam os êxtases do espírito e dos sentidos.


                      A primeira estrofe de “Rêve Parisien” é decisiva para demarcar a natureza extirpada em forma de paisagem de imagens turvas e terríveis. Podemos observar, por exemplo, a metafísica de Baudelaire na segunda estrofe, no sono de milagres pleno, onde o poeta percorre espaços vazios e põe sua poesia. Baudelaire aqui consegue romper e transcender o vazio por meio da imaginação e do sonho, nas fronteiras da alucinação, culminando no verso “um silêncio de eternidade” (O Belo para o poeta pode ser visto também no verso “Tudo ao olhar, nada aos ouvidos”, a contemplação para a arte, no discurso de que a arte é um estado de contemplação do Belo – para isso, ver Hênio Tavares, Teoria Literária, 7ªEd. 1981).
                       Baudelaire traz a natureza em “Correspondances” e conceitua-a “floresta de símbolos” através das correspondências das imagens e dos elementos concretos no poema. Uma floresta convertida em signos (o campo da semiologia e da semiótica demarcou tais conceituações). É, pois, uma visão simbólica tanto de si quanto do seu sonho, como define Marcel Raymond (De Baudelaire ao surrealismo, p.21, 1997). Nota-se, portanto, que o poeta consegue exprimir sua alma no rol da metafísica, isto é, os laços que podem existir entre os seres onde a ciência não pode explicar.  Walter Benjamin, para concluir ressa anotação de Baudelaire para a introdução às vanguardas,  fala do “Correspondances”:

“Essencial é que as correspondances cristalizam um conceito de experiência que engloba elementos cultuais. Somente ao se apropriar desses elementos é que Baudelaire pôde avaliar o inteiro significado da derrocada que testemunhou em sua condição de homem moderno” (BENJAMIN, Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. 3.ed. p.132, 2000).


ARAUJO, RODRIGO M. S.

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3 comentários

  1. Interessante.. sei que o comentário vai ser mt bobo, mas Baudelaire considerar a fotografia como uma invenção do diabo, como era que ele nos remetia a tantas paisagens em suas composições? Explique-me, meu litera... Ive

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  2. Oi, amiga.
    Pois então, o fato é que Baudelaire via uma separação entre a Arte (pintura) de um lado e a indústria (a fotografia) de outro. Visto que Baudelaire concebia a fotografia como simples instrumento, isto é, um auxiliar. Baudelaria vai mais longe, diz que no momento em que a fotografia substituir as técnicas da arte, esta começaria a morrer. E aqui mora o ponto chave da questão: até então, a arte tinha um conceito de representação do real e estava presa a ele. Com o surgimento da técnica fotográfica, esta passou a capturar o real de modo mais rápido que a pintura (e lógico, seria mais econômico tirar uma foto pela sua praticidade e rapidez em relação à pintura). O teórico Philippe Dubois vai sintetizar esse pensamento afirmando que a fotografia libertou a pintura no seguinte sentido: a pintura começou a ter traços subjetivos (e não mais fíéis a realidade). Baudelaire, pois, tinha uma aversão à corrente ideológica que se pairava sobre a fotografia e seu (imenso) poder. (Poder que se constata até hoje segundo as teorias.

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  3. Bova...q tuuudo..amei seu texto...já vai pra minha pastinha de planos de aula...
    invejei vc agora! aliás..sempre! rss..
    tudo q é bom tem q ser invejado..rss. adooooro
    bjs
    se cuida

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