Os caminhos de Monteiro Lobato na escola.

By rodrigo araujo - outubro 31, 2010

            Obra de Lobato sob a ameaça de ser censurada na escola pública ou que venha com um aviso de conteúdo racista. A literatura de Monteiro Lobato é danosa para as crianças? A tentativa de evitar que crianças a leiam partiu de um mestrando.














           Na última sexta-feira, 29 de outubro, o servidor da Secretaria do Estado da Educação do DF, Antonio Gomes da Costa Neto, encaminhou a denúncia de que partes do livro ‘Caçadas de Pedrinho’, de Monteiro Lobato, teriam conteúdo racista e que o autor devia ser evitado nas Escolas. O jornal ESTADÃO publicou uma matéria e recorto aqui o seguinte trecho: Para o CNE [Conselho Nacional de Educação], os professores da rede pública não estão preparados para lidar com esse tipo de mensagem em sala de aula. O autor da denúncia, o mestrando em relações raciais da UnB Antonio Gomes da Costa Neto, acredita que o livro de Lobato “deixou para trás as regras de políticas públicas para as relações etno-raciais” e tenha o potencial de “ensinar a criança a ser racista”. Dois dias depois, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, publicou em nota no mesmo jornal que iria ouvir teóricos e acadêmicos e ‘pensar mais sobre o tema’. Segundo o encaminhador da denúncia, Antonio Gomes: “Os professores, no dia a dia, não têm o preparo teórico para trabalhar com esse tipo de livro. Então, não é que ele deva ser proibido. O que não é recomendado é a sua utilização dentro de escola pública ou privada”.

           Por que será que os professores não têm o preparo teórico para trabalhar Monteiro Lobato na sala de aula? Conseguem perceber o absurdo na citada frase? Pior: o quanto nós, professores, somos menosprezados e subestimados. Agora, a literatura está na mira. Mesmo que Monteiro Lobato tenha pintado estereótipos em seus personagens, o aluno não vai virar racista porque leu a obra (Se pensarmos por essa via, que proíbam Sthendal por seus pensamentos suicidas, Otelo por pensamentos desequilibrados, Nelson Rodrigues pelos conflitos familiares, Alexandre Herculano contra a fé islâmica). Monteiro Lobato, junto de outros nomes como Lima Barreto, Augusto dos Anjos, Graça Aranha, Euclídes da Cunha, nas duas primeiras décadas do século XX chamado pré-modernismo, foi importante para uma ruptura com o passado e com o academicismo, onde a denúncia da realidade brasileira marcou suas obras. A luta de classes, a denúncia da marginalização do negro, do mulato são temas principais e o povo humilde é seu melhor narrador nas diegeses. O século XX estava marcado pela política do café-com-leite e o cenário brasileiro era de grande atraso. Esse cenário de atraso é tão bem retratado nos contos de Lobato na obra Cidades Mortas. Nos contos de Negrinha, o confronto entre a arte velha e a arte nova, a ironia, a proposta de uma nova linguagem. No próprio Negrinha, a temática do abuso infantil é recorrente. A denúncia de crianças degradadas, o filho alcoolizado pelo pai, crianças humilhadas pelos adultos, meninas diabólicas, tudo é tratado na obra de Lobato como uma degradação moral das personagens. A escrita de Monteiro Lobato é revolucionária e não compreender essa tentativa de denúncia do social e o retrato de personagens marginalizados de uma sociedade atrasada da época é fechar os olhos para a Literatura. Imagina se proibíssemos as crianças de ler um Jeca Tatu, personagem que é a representação do sertanejo e de uma sociedade e costumes, na formação de seu regionalismo.
          O problema talvez resida no fato de algumas pessoas (desses que militam censurar a obra na escola) já irem armadas para a obra e, quando leem uma frase, não buscam compreender seu sentido e o que está por trás dela, bem como compreender a estética da obra. O que será que vai acontecer se continuarem edificando as censuras de obras nas escolas? As crianças serão proibidas de ler o Sítio do Picapau Amarelo? Já vivemos sob o estigma de um país que não lê, ainda querem abrir mais o buraco e pôr uma cruz no túmulo da Educação.


ARAUJO, RODRIGO M. S.

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