Semiótica e fotografia: algumas notas

By rodrigo araujo - novembro 11, 2010

 ‘A fotografia sempre me espanta’, dizia Roland Barthes em A Câmara Clara.  Embora não tenha surgido com o intuito de substituir a pintura, a fotografia superou o retrato a óleo sobre tela por questões técnicas. Tentaremos pensar, aqui, a fotografia como um processo artístico capaz de representar mimeticamente o mundo exterior dentro da pesquisa semiótica.




       







           Roland Barthes indagava: “Será que a imagem é simplesmente uma duplicata de certas informações que um texto contém e, portanto, um fenômeno de redundância, ou será que o texto acrescenta novas informações à imagem?” Essa relação Palavra x Imagem é um tanto cara para eu me aprofundar aqui, tendo em face suas semelhanças e distinções no rol de aspectos imagéticos, até porque poderíamos passar horas discorrendo sobre imagens verbais e imagens mentais, bem como a imagem da palavra – ou o que Alfredo Bosi chama de Imagem-no-poema, em seu livro O Ser e o Tempo da Poesia (sobre a relação Palavra e Imagem, ver Lucia Santaella, 2005, p.65). Ambas são signos. Convém notar, por exemplo, que todo pensamento se dá em signos e que não há pensamento sem signos. O que estiver à mente, uma ideia, reação ou sentimento, tudo é pensamento. O pensamento é um sistema físico de símbolos. Se tivermos o pensamento como um sistema físico de símbolos, chegamos a ideia de um sistema processador de informação que codifica informações sobre o mundo.
            A fotografia, como qualquer outro tipo de imagem, é também um signo. Vamos tratar aqui da imagem fotográfica inserida no campo semiótico. Para uma introdução da semiótica da fotografia, temos em Roland Barthes a busca do eidos (natureza) da fotografia: A fotografia a mortifica, imobilizando o tempo, ao passo em que é silenciosa. Não fala daquilo que não é, mas fala daquilo que foi (1984, p.135). Ou: "A fotografia não rememora o passado (não há nada de proustiano em uma foto). O efeito que ela produz em mim não é o de restituir o que é abolido (pelo tempo, pela distância), mas atestar que o que vejo de fato existiu” (1984, p.123).
            A obra de Barthes para a fotografia é, pois, um tanto romanesca e de teor lingüístico. Define o noema da fotografia, o ‘isso-foi’, assim como seu valor tautológico. Trabalhou na definição do studium e punctun fotográfico. O paradoxo de Barthes se encontra no código da fotografia. Em seu livro ‘O óbvio e o Obtuso’, no capítulo “A mensagem fotográfica”, diz que a fotografia é uma mensagem sem código, porém em fotografias de imprensa (fotografias unárias, isto é, studium), com fatores conotativos e não-codificada, vem sempre acompanhadas de mensagens codificadas a partir de uma mensagem sem código.
            Mas é com Philippe Dubois, em seu livro O Ato Fotográfico, que esses conceitos são ampliados ganhando a luz das concepções semióticas Peirceanas. Seu discurso, baseado na lógica de Peirce, apresenta a fotografia a partir de três perspectivas: a fotografia como espelho do real, isto é, mimética, no campo da similaridade, um analogon ou para a epistemologia peirceana, um ícone; transformação do real, determinada culturalmente, onde um determinado conjunto de códigos age sobre ela, ou seja, a foto é um símbolo; traço do real, assinalando a sua relação com o referente, onde ela atesta e estabelece, assim, uma relação de contigüidade com o objeto. Peirce dizia que se a fotografia é exatamente como o objeto que ela representa, ela se estabelece um ícone. Por outro lado, ela estabelece uma relação/ligação física com seu objeto, sendo um índice. Para fundamentar o caráter de índice fotográfico, Peirce disse que o índice nada afirma, apenas está ali e que ele é um signo físico, diferente do ícone, signo mental, e do símbolo, signo de convenção geral. A fotografia é singular, pois além de atestar um caráter indiciário, aponta, isto é, nos toca – Peirce afirmou que tudo que nos chama atenção é um índice. Aqui se realiza o punctum barthesiano, ampliado e ultrapassado. Dubois ainda tratou a fotografia, enquanto índice, de acordo com quatro conceitos: critério da distância espacial/temporal, objeto plano, impressão luminosa e descontinua. O princípio da distância, primeira categoria de índice fotográfico e, talvez, a mais importante delas, segundo Dubois, faz penetrar todas as inquietações, pois por mais próxima que seja a relação entre o signo e o objeto que ele representa eles permanecem distantes. Phillipe Dubois também propôs uma libertação da pintura a partir do surgimento da fotografia. As pinturas de paisagem, antes vistas como representações miméticas da natureza, foram superadas nesse aspecto, pela técnica precisa da fotografia, fazendo com que os artistas criassem novos parâmetros de representação das paisagens, inovando no jogo de cores e buscando representar os efeitos da luz em suas obras, como fizeram os impressionistas criando novas formas de representação. 













O desafio de enquadrar o mundo ao nosso redor deixou de ser um sonho, ao longo da história da fotografia, durante o período renascentista que contribuiu significativamente para a arte. De acordo com a Poética Clássica de Aristóteles, desde o nascimento o homem tende a imitar – assim como a arte – a realidade por objetos, meios e maneiras diferentes. As pinturas nas cavernas, por exemplo, já começavam a mostrar o registro mimético. O advento da fotografia, que ocorreu simultaneamente em diferentes partes da Europa, veio para captar o real de forma mais rápida que a pintura e essa possibilidade técnica pôs o campo artístico em xeque, como observamos nos discursos de Baudelaire, que via a fotografia como uma invenção do diabo.
Estes autores – Dubois e Barthes – são os básicos para se pensar a Semiótica da Fotografia. É preciso compreender a relação de proximidade -- distância / corte – conexão bem como a visão antropológica de Dubois para a fotografia. Bem como as fundamentações de André Bazin sobre o índice fotográfico, pois o que importa não é o resultado da fotografia, e sim o processo. Tomemos o ANTES e o DEPOIS da fotografia:  Antes: quando o fotógrafo escolhe as lentes, decide o assunto a ser fotografado. Depois: como as fotos irão se envolver com os tipos de rede em um sistema cultura. Entre o Antes/Depois da fotografia, apenas nesse intermédio há a ausência/esquecimento do código fotográfico (essa é a mensagem sem código de Barthes).
Convém lembrar os outros nomes que contribuíram de forma significante para uma teoria da fotografia: Susan Sontag, que diz que a fotografia “mune este mundo criando uma duplicata de imagens deste mundo, nos fazendo sentir que o mundo é mais acessível do que é na realidade” (2004, p.34); Jacques Aumont, que traz a ideia da metáfora da pirâmide visual, e que “todo enquadramento estabelece uma relação entre um olho fictício – o do pintor, da câmara, da máquina fotográfica – e um conjunto organizado de objetos no cenário” (1993, p.154); Arlindo Machado, que em sua Ilusão Especular, mostra que a fotografia “é um aparelho que difunde ideologia” (1984, p.74) e que ela é “um retângulo que recorta o visível” (1984, p.76). Também são notáveis os trabalhos de Flusser e sua ideia de deciframento na imagem fotográfica.
Este é apenas um panorama básico para se pensar a teoria da fotografia, que muitas vezes fica fadada à parte prática ou ao puro conhecimento de que ela é uma cópia fiel da realidade, sem a vontade de se questionar o que está por trás dela, que teorias dão conta dela e o que a imagem fotográfica tem relacionada ao objeto. Aqui, se faz a força e anseio por teoria... teorias. 

"A fotografia, antes de tudo é um testemunho" - Ivan Lima
"O olho do homem serve de fotografia ao invisível,como o ouvido serve de eco ao silêncio" - Machado de Assis.



ARAUJO, RODRIGO M. S.

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1 comentários

  1. Agradeço a indicação de autores. Irei precisar para meu projeto de pesquisa sobre semiótica, fotografia e ideologia.

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