Lanternas sentimentais no escuro da morte

By rodrigo araujo - novembro 25, 2010


      Certo poema do Mário de Sá-Carneiro diz: “Perdi-me dentro de mim, porque eu era labirinto”. Às vezes, nos vemos perdidos em labirintos de Dédalo sem fio. E quem se perdeu do fio foi uma poetisa que acabou com a vida por causa da arte. Túneis escuros, pouca luz para esta cena.






            Há pouco mais de um mês, no dia 5 de outubro de 2010, um caso um tanto peculiar: A poetisa e artista plástica Maria Cristina Gama, aracajuana, se suicida com uma faca, pois não conseguia mais lançar livros e que ninguém mais lia poesias no mundo contemporâneo. Era uma grande artista que pintava com as palavras e trabalhava a linguagem ao máximo. Certamente a velocidade do mundo moderno rasgou as linhas de seus pensamentos. Mundo cada vez mais globalizado e virtualizado nos campos do ciberespaços.

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            Fica a pergunta: e o lugar da poesia nesse espaço? O livro se digitalizou e o acesso a ele, mais fácil. A poesia, pois, caminhou para o ciberespaço. Finalmente o projeto concretista dos anos 50 de videospoemas pode conquistar seu espaço na rede.  A poesia está nas telas, está nas ruas, nos muros, no spray, no grito que ecoa das pichações. (ver, A Poesia do Acaso, Cristina Fonseca). A poesia está a nossa volta e nem damos conta, conscientemente, que lá está ela. E não vamos entender, aqui, que poesia é aquela forma fixa estritamente metrificada do parnasiano. Mário de Andrade, no livro Aspectos da Literatura Brasileira, diz que o verso-livre da poesia de 30 atestou, de forma significante, não só uma estrutura estética, mas um individualismo poético, isto é, o poeta tem seu estilo individual como poética e retórica. A poesia, enfim, está solta das amarras para preencher os espaços em branco, o silêncio – heideggeriano – dos espaços. A literatura, contudo, está se democratizando. Recentemente, saiu uma matéria no TERRA sobre a democratização da literatura.
            O suicídio acaba – de forma até injusta e impensável – com um ciclo semiótico. Não preciso me ater aqui às teorias do suicídio para alicerçar o fato ocorrido com a artista. Mas o artista morre um pouco a cada novo dia ou como diria o poema de Leminski: “morrer, de vez em quando, é a única coisa que me acalma”. Não a morte física, mas um desmanchar de castelos que o vento vai derrubando. Todos nós, poetas ou não, somos apresentados ao mundo que é ríspido e rude por muitas vezes. A dor é a moeda que levamos no bolso diariamente. E o que fazemos com a dor? Uns, infindáveis, recorrem aos consultórios ou aos amigos, exorcizando seus oceanos. Outros estão prontos para diluí-la no fundo copo na mesa do bar (e acham que, assim, resolvem a dor, quando não a amenizam). O poeta universaliza a dor, utiliza-a para lançá-la ao mundo e, assim, dizer que aquela dor não é mais sua, e sim de todos. A dor do poema não é a dor do poeta. Quando Manuel Bandeira pinta um menino tísico no seu poema – ou até o Pneumotórax – aquela não é a sua dor, mas a nossa dor, por reconhecemos a nossa dor ali. Em Renúncia, quando o poema diz que o mundo é ‘sem piedade’, o eu-lírico pergunta: qual o mal que te crucia? Não o mal do poeta, mas o nosso mal, o fado que carregamos. (Um excelente filme é ‘O Carteiro e o Poeta’, de Michael Radford, 1985. Em uma parte do filme, o carteiro – que era amante da poesia de Pablo Neruda – pergunta ao próprio poeta: o que significa essa sua poesia? E o poeta responde: não sei, ela é sua, não é mais minha). A poesia nasce dessa inconformidade com o mundo, e a literatura preenche esse vazio em nós. 
            A poesia caminha pelos bosques da ficção de tal modo como lanternas sentimentais que escorrem pelo escuro do nosso ser. E inundam o silêncio com a força das marés rompendo as areias. Que o poeta simule o real ou desenhe o mundo, ou até mesmo que a poesia se explique por si mesma, até porque nem ela nem a arte dizem, muito menos querem dizer algo. É essa corda sobre o abismo que separa a subjetividade da objetividade. E por falar em corda, vivemos à beira de fronteiras, como as do irreal ou até mesmo as fronteiras do humano. A nossa poetisa acima citada preferiu que os sentimentos derramassem pelo escuro da morte, onde o pássaro não pode mais cantar e o sofrimento pode cair como cisne quebrado. Certamente um caminho mais escorregadio, porém apenas mais um dentre outros. No final de qualquer caminho que se trilhe, a morte estará mesmo a esperar de braços abertos, não aquela a que vulgarmente imaginamos com uma foice na mão, mas uma tão bela e nítida que, ao seu encontro, nos perguntará o que achamos da vida. Um mundo para chegar às respostas.

ARAUJO, RODRIGO M. S.

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