Manuel Bandeira e Torquato Neto: poetas entre os destroços do presente

By rodrigo araujo - julho 20, 2014

Quando penso em Manuel Bandeira, gosto muito daquele Bandeira visto pelo crítico literário Davi Arrigucci Jr, daquele Bandeira que soube que poesia não é só manifestação dos instantes de alumbramentos, mas poesia se faz com palavras (a velha lição de Mallarmé). Falo do livro "O Cacto e as Ruínas" (2000, Editora Duas Cidades), uma bela leitura do poema "O Cacto" (Este poema se encontra em "Libertinagem", in: Bandeira, Estrela da vida inteira: poesias reunidas, Editora José Olympio, 1986, p. 96) que, segundo Arrigucci, é o personagem central da história de uma vida em resumo (Arrigucci, p. 37). Um Manuel Bandeira voltado para o sentimento trágico da condição do homem que se evoca na imagem da planta (Arrigucci, p. 87). Seja um poeta do humilde cotidiano, ainda para pensar com Davi Arrigucci Jr, seja um poeta entre o aprendizado da morte e a poética da ausência, para lembrar um pequeno e singular livro da Yudith Rosenbaum (Rosenbaum, Uma poesia da ausência, EdUSP, 2002), o Manuel Bandeira que gosto de ter em mente é o do poeta entre os destroços do presente, para lembrarmos de seu poema "Boi Morto" ( Este poema está localizado em Opus 10, in: Estrela da vida inteira, 1986, p.190). Aliás, o Davi Arrigucci Jr. faz uma ótica leitura deste poema em seu outro livro: "Humildade, paixão e morte", Companhia das Letras, 1990, capítulo 8.






















Quando penso no poeta piauiense Torquato Neto, vejo aquele poeta que desfolha a bandeira para a manhã tropical se iniciar, na geléia geral brasileira - a antológica canção "Geléia Geral", letra de Torquato Neto e eternizada por Gilberto Gil. Um poeta muito ouvido, pelo fato de suas letras para a tropicália terem se eternizado em vozes como Gil e Caetano, mas um poeta ainda pouco lido. E quando penso em Torquato Neto, é inevitável não pensar no poeta entre os destroços do presente. Um poeta que deixou muitas pistas em suas poesias e letras de músicas o seu "pra mim, chega", o seu adeus à vida, quando se suicidaria aos 28 anos, como diz a música "Mamãe Coragem", também letra de Torquato: "Mamãe, mamãe, não chore / A vida é assim mesmo / Eu fui embora".  Entre Manuel Bandeira e Torquato Neto: dois poetas entre os destroços do presente. Dois poetas embebecidos pela noite, signo da solidão e melancolia (Não é a toa que o livro "A Cinza das Horas", do Bandeira, carrega muito esta "Noite" como signo da melancolia). Dois poetas que fizeram de seus versos um hino de desalento e desencanto. Trago aqui dois poemas, um do Manuel Bandeira que se encontra no livro "A Cinza das Horas", e outro do Torquato que se encontra no livro "O Fato e a Coisa"(2012), único livro que Torquato Neto projetou e planejou como "livro", recém publicado pela Editora UPJ. Com esses dois poemas, Bandeira e Torquato em diálogo -- e não é a toa que Torquato era um bom leitor do Bandeira -- quero sublinhar uma definição de poesia que eu, particularmente, muito gosto e persigo: a poesia que ama o amargo e sonha doçuras (para lembrar o poema  "Um cidadão comum", do Torquato); a poesia que está sempre entre o bonde e o desespero.  E aí Bandeira e Torquato se encontram.


Poema "Desencanto"


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue, volúpia ardente...
Tristeza esparsa ... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota à gota, do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca

-  Eu faço versos como quem morre.
( Manuel Bandeira, livro "A cinza das Horas", in: Estrela da vida inteira, 1986, p.4).

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Poema "Explicação do Fato"
Impossível envergonhar-me de ser homem.
Tenho rins e eles me dizem que estou vivo.
Obedeço a meus pés
e a ordem é seguir e não olhar à frente.
Minúsculo vivente entre rinocerontes
me reconheço e falho
e insisto. 
E insisto porque insistir é minha insígnia. 
[...]
No entanto sinto medo
e este é o meu pavor.
Por isso a minha vida, como o meu poema,
não é canto, é pranto
e sobre ela me debruço
observando a corcunda precoce
e os olhos banzos.
(Torquato Neto, "O Fato e a coisa", Editora UPJ, Teresina, 2012, p. 35-36).


§

Rodrigo Araujo,

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