Semiótica e literatura: quando o ícone invade o corpo verbal

By rodrigo araujo - agosto 06, 2010

É bem verdade que a Lógica seria um outro nome para a teoria geral dos signos (semiótica) postulada por Charles Sanders Peirce, onde ela está, ao lado da Ética e da Estética, no tripé das ciências normativas, ciência das leis necessárias do pensamento na busca da verdade. Para o leigo em semiótica, atentemo-nos ao fato de Semiótica (e vamos distinguir aqui Semiótica de Semiologia – estruturalista) dar conta das manifestações signicas, ciência nova, mas que (graças a Deus!) já vem sendo muito pesquisada nas universidades do Brasil, formando um rol de grandes estudiosos. Mas é importante atentar para o fato de não reduzir a Semiótica apenas à gramática especulativa, isto é, aos estudos do signo, visto que a Semiótica alicerça a lógica crítica e a metodêutica. Por enquanto, ficaremos com a citação de Décio Pignatari (2004, p. 21) acerca da teoria dos signos: “A semiótica, ou teoria geral dos signos, é uma indagação sobre a natureza dos signos e suas relações, entendendo-se por signo tudo aquilo que represente ou substitua alguma coisa”. Discutir a teoria semiótica já está gasto e grandes referências existem para tal, partindo de Pignatari e Santaella até W. Nöth (que faz um ótimo panorama, por sinal).
            Aqui será abordada a contribuição da Semiótica para os estudos literários e aqui vamos nos concentrar no livro do Décio Pignatari Semiótica e Literatura (2004), obra indispensável para se compreender a relação e importância da semiótica na literatura, tanto na prosa quanto na poesia. Aqueles que já tem afinidade com a Semiótica e com a teoria de C. S. Peirce e seu modelo triádico com a inserção do interpretante trarão nestas linhas os conceitos de tríade: ícone, índice, símbolo bem como os conceitos de similaridade e contigüidade, não-verbal e verbal etc. Como dizem alguns, “comecemos do início”: dos estudos estruturalistas para cá é sabido que o signo verbal já não daria mais conta, recorrendo ao signo não verbal (permitam-me indicar o livro da Irene Machado fantástico que discute essa ideia do conhecimento lingüístico como um ato semiótico no rol do pensamento de Roman Jakobson: O filme que Saussure não viu: o pensamento semiótico de Roman Jakobson, 2007). Quando você lê um poema, aquele signo verbal te fará mergulhar num campo associativo e num jogo de imagens mentais que representarão aquele signo. Se você lê um haikai que fala sobre as folhas caindo no outono, logo o leitor pode criar imagens em sua mente (em seu livro O ser e o tempo da poesia, 2002, o crítico literário Alfredo Bosi utiliza a ideia de “imagem-no-poema”). Esse é o primeiro contato com o ícone, assim, com a primeiridade.
            E eis que o ícone invade o corpo verbal. A palavra escrita é o alto grau de abstração do signo. Peirce disse que o ícone, assim como o símbolo, são signos mentais e gerais, diferente do índice, que estabele conexão física e direta. E, em relação ao símbolo e índice, o ícone é o que mais tem a ver com um caráter de verdade. Peirce vai mais longe nessa ideia, no tocante à predicação vinculada a ideia de metáfora, fazendo a distinção entre ícone puro (a qualidade, de ordem primeira na tríade) e hipoícone (de ordem triática: imagens, diagramas e metáforas – a fotografia, por exemplo, pode ser um hipoícone). A metáfora, na teoria de Peirce, é um hipoícone por contigüidade, uma semelhança, uma terceiridade entre primeiridades. Essa ideia é extremamente (perdão pela hipérbole) importante para a compreensão da função poética (em nível de estudo de teoria da literatura).
            Não obstante, façamos a distinção entre similaridade e contigüidade: a similaridade é o parecido, que constitui paradigmas; a contigüidade é o próximo, formando sintagmas, isto é, o próximo. Décio Pignatari (2004, p.24) vai mostrar que “a poesia tenta ser ou imitar o objeto a qual se refere, por meio de formas analógicas (‘chove chuva choverando’), enquanto na prosa, tentamos ‘contar’ o que está acontecendo (‘a chuva está caindo’)”. Ainda continua na ideia de que podemos resumir um romance, mas não podemos resumir um poema. Resumir um poema seria uma tarefa de levantar paradigmas (personagens e ações) e sintagmas (tramas e subtramas) que levaria a um diagrama que é o resumo da narrativa, resumo esse que é um ícone, um ícone no meio do caminho entre palavra e imagem, isto é, um índice. O resumo de uma narrativa nada mais é que um quadro indicial lógico-analógico de indícios (2004, p.25).
            Ainda na esteira de relações Semiótica-Literatura, com o modelo triádico de Peirce e com a superação da dicotomia Saussuriana, superamos o confronto forma x conteúdo. Mostra de forma sucinta Pignatari que o signo icônico articula-se por coordenação (parataxe) enquanto o símbolo, por subordinação. O ícone é o lado oriental dos signos enquanto a palavra, o ocidental. Oriente x Ocidente, uma discussão que rende uma tese. Que fique clara a grande contribuição da Semiótica para o estudo da poesia, da metáfora, da metonímia, da prosa. A quem se interessar, destaco especial atenção para o capítulo 2 do livro do Pignatari ("A Semiótica de Peirce e sua proto-estética", em especial ao subcapítulo "Significado: A relação triádica" na página 47 – e ainda especial atenção às páginas 52 e 53).
             Portanto, podemos concluir: a palavra é o símbolo por excelência!

ARAUJO, RODRIGO M. S.

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1 comentários

  1. realmente interessante, percebo como a semiotica esta relacionada ás mais variadas areas.

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